Edy Cesar | O desvendar do arco-íris

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Era um dia nublado, parecia aquelas manhãs de água a cair na vidraça. Sofia e eu levantamos bem cedo. A vontade era de aproveitar as poucas horas de sol ameno pela manhã. A intensidade da luz sempre preocupava, considerando que a pele de Sofia não era muito tolerante a exposição massiva de raios solares.

Lembrei que na noite anterior combinamos de iniciar o dia cuidando dos jardins de casa, não era lá grande coisa, mas dava trabalho à beça. O mais legal que havia uma pequena muda de guariroba , ela seria plantada logo após o alvorecer.

A coloração do verde da grama estava se modificando, para um tom acinzentado, tudo por conta do total desaparecimento das luzes da manhã. Foi quando Sofia perguntou.

– Pai, aquilo é uma Nimbostratus? Vai chover então?

– Não sei. Espera aí… pode ser, parece que nossos planos podem ser mudados pelos planos do ciclo d’água.

– Legal né, vamos fazer igual às plantinhas?

– Tu queres tomar um banho de chuva, não é?

– Verdade, vamos pai, faz mal não.

– Ta bom, mas só um pouco.

Considerando os poucos ciclos solares vivido por Sofia, ela tinha uma boa média de acerto de incidência de chuva e naquele dia não foi diferente. O Sol sumiu na densidade escura que havia formado, a água despencava de uma altura vertiginosa, de mais pés que poderíamos contar. Nosso jardim estava encharcado, mal dava para ver a grama. Pareceria que aquele mundo verde estava afogando em um tsunami, resguardada as respectivas proporções.

Tive que concordar com Lavoisier, a transformação natural é continua, e aquela antiga carga d’água suspensa a muitos pés de nossas cabeças, transformaram em turvas águas, e posteriormente em duras curvas na rua de concreto betuminoso. Lembrava um maremoto, eram milhares de formigas varridas para áreas mais tranquilas.

– Pai para onde vai toda esta água?

-Para todos os lugares, quem sabe ela não volta para as nuvens mais uma vez, e de novo, e outra vez.

Era claro o esforço de Sofia para entender o ciclo d’água. Parecia questão de tempo ela entender as questões básicas da vida, do universo e tudo mais. Sofia ficou divagando, até algo chamar sua atenção, tinha um olhar de amor e confusão, acredito que essa seria a cara de um ateu que tem uma visão de Deus. De forma aturdida, foi sentar no piso da garagem, sem movimentar um centímetro da angulação da visão que a tomava.

– Nossa como é maravilhoso, acho que é a coisa mais bonita que existe, depois de você e a mames é claro – ela encontrava graça de sua própria brincadeira.

– É, eu sei, um arco-íris duplo é raro, além de ser muito bacana. O chato é que daqui a pouco, em vez de dois não terá mais nenhum.

– Sabe o que eu gostaria de saber mesmo, se o arco-íris tem pé? Onde começa? Como chegamos lá? Será perto? Pode tocar?

– Calma Sofia, são muitas indagações para apenas um dia.

Vi a cara que Sofia fez, sei que as respostas cientificas estavam muito aquém da urgência de suas perguntas. Eu mesmo questionava tudo isto até o início de minha idade adulta, se é que este lance de crescer existe mesmo. Não queira decepcioná-la, logo entrei no jogo com ela, para ver para onde o vento nos levava.

– Então, não sei, sempre quis saber e tiver vergonha de perguntar. O que você acha sobre tudo isto?

– Deixa pai, não deve ser nada, daqui a pouco um cientista qualquer dá uma explicação chata e sem sentido, e fica por isso mesmo.

Não sabia o que dizer, realmente o empirismo cientifico não era tão emocionante como a tenra imaginação, no entanto, as explicações que tínhamos eram pelos métodos da ciência. Como uma pessoa pouco afeiçoada as questões religiosas, achava melhor que Sofia confiasse na ciência, mas tive um plano, eureca:

– Sofia, vamos descobrir. Então, vou te fazer uma proposta, vamos marcar mais ou menos onde fica o pé do arco-íris, daí vamos pegar a pick-up e correr até lá, assim podemos descobrir juntos as respostas de todos seus questionamentos.

– Sério? Agora? Uma expedição para desvendar o arco-íris, eu quero.

– Vamos pegar algumas frutas, pois o caminho é longo, e pode não ter fim e nem volta.

– Pai, deixa de drama, o arco-íris está logo ali, na serra.

Enquanto tirava o nosso carro da garagem, Sofia apanhava alguns alimentos e água fresca. Logo que saímos, a chuva parou totalmente, a água foi levantada por todos os lados pelos pneus duros de meu veículo de mais de uma tonelada de ferro e plástico.

A serra não era muito perto, e no caminho notamos que a intensidade da cor azul do arco inferior do arco-íris desaparecia gradualmente, acompanhando o circular dos ponteiros do relógio. O que fez meu pé descer ainda mais, em direção ao assoalho do veículo e o ponteiro do hodômetro lutar contra a força da gravidade, em busca do número 140, escrito em vermelho no painel em minha frente.

– Pai, não entendo, estamos andando há 20 minutos, e não chegamos, a serra está bem próxima, e parece que o arco-íris está na mesma distância que antes.

– Calma, logo chegaremos ao local em que marcamos, e podemos tirar esta história a limpo.

Não tardou para uma estrada vicinal de cascalho iniciar debaixo de nossos pés, o carro já não corria tanto, e o local aproximado que aguardávamos chegou. Sofia logo estranhou.

– Ué, tenho certeza que era por aqui que marcamos no GPS, cadê? Não estou vendo nada. Será que já passou?

– Filha, olha para cima, a sua esquerda, em direção ao sol.

– Não acredito, eles ainda estão ali, como assim?

Dois grandes e imponentes semiarcos surgiam ao longe. Sofia um pouco aturdida com a quantidade de informação que seu cérebro em desenvolvimento recebia, começava a entender a realidade.

– O que você acha disto tudo. Saímos de casa, uma hora de carro, estamos no limiar do plano com a serra, não encontramos o que estávamos procurando, e agora José?

– Assim, eu acho que o arco-íris não tem pé. Não tem começo e muito menos nem fim. Não dá para tocar e nem nada. Não valeu de nada virmos aqui.

– Tão certa e tão errada. Você acha mesmo que não valeu termos vindo aqui?

– Acho sim, você podia ter me falado tudo antes.

– Filha confie em suas percepções, viemos até aqui para você saber, sem intermediários, que o arco-íris não é físico, ele é uma enorme miragem, causada pelos raios de sol que passam pela água, e dá a impressão de um prisma.

– Mais e aí? Qual é a graça?

– É bem simples, apesar da explicação ser pequena e científica,  de sobremaneira chata e sem graça, como você diz. Nem assim, nem assim eu repito, o arco-íris deixa de ser belo e impressionante. Independente de como eles são formados, mesmo depois de muitos anos, você ainda vai se maravilhar com tudo. A vida é um eterno maravilhar com coisas aparentemente simples, mas que tem um significado particular para você.

– Pai tenho medo de tudo ser muito chato e repetitivo.

– Não tenha medo, não retroceda filha, confie acima de tudo em você mesma, e nas noites de frio ou de calor é só lembra que eu estarei aqui, basta chamar.

– Quer saber, é fantástico o arco-íris, independentemente de qualquer coisa.

– Pronto, era que eu queria saber, vamos para casa, daqui a pouco é a hora do almoço.

– É muita coisa para apenas uma manhã.

– Verdade, muitas manhãs ainda virão.

Voltamos para casa em silêncio…

(Foto: Imagens livres)

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