Carlesse é acusado de comandar suposta organização criminosa que extorquia dinheiro de empresários do setor de saúde

No dia 20 de outubro o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o afastamento do governador do Tocantins, Mauro Carlesse (PSL), para ser investigado por uma extensa lista de crimes. Ele é acusado de comandar uma suposta organização criminosa que extorquia dinheiro de empresários do setor de saúde.

Um vídeo entregue à Polícia Federal mostra o momento em que o funcionário de um hospital repassa um envelope, supostamente com propina, para um dos operadores do esquema.

A família do médico Luciano Teixeira é dona de um dos maiores hospitais de Palmas. Depois de prestar queixa à polícia, ele passou a fazer denúncias graves em redes sociais. “Nós temos duas UTIs fechadas desde o ano passado por falta de recebimento do Plansaúde e, enquanto isso, os pacientes do Plansaúde estão morrendo aí sem leitos”, afirmou em agosto do ano passado, durante um dos momentos mais críticos da pandemia no estado.

O Plansaúde – que teve o nome trocado para Servir – é o plano de assistência médica dos servidores públicos do Tocantins. Segundo o médico, Carlesse sistematicamente atrasava pagamentos do plano.

A TV Anhanguera, o médico disse que todo esse atraso de pagamento tinha uma intenção, era uma forma de criar ar uma dificuldade para extorquir os hospitais e clínicas, “Se não pagava propina, não recebia do governo […] Tinha que dar um cheque para eles antes, para depois receber”, disse o médico

Segundo a Polícia Federal, o esquema funcionava assim:

Empresas usadas no esquema emitiam notas de produtos hospitalares nos valores da propina, produtos que não existiam. Os hospitais e clínicas extorquidos pagavam esses valores e aí a nota era cancelada.

“Isso não tem como fazer, você emitir várias notas com valores tão altos e você cancelar todas elas, sem o estado vir atrás para saber por que essas notas estão sendo canceladas”, afirmou o médico.

Ainda segundo a investigação, os valores da propina eram negociados pelo secretário especial de parcerias e investimentos, Claudinei Aparecido Quaresemin. Ele é sobrinho do governador e também foi afastado do cargo por 180 dias. Depois, foi exonerado pelo governo em exercício.

De acordo com Luciano Teixeira, dois parentes que administram o hospital da família estiveram com Claudinei em junho de 2019 para cobrar as dívidas do Plansaúde.

“A gente precisa receber pelo menos um mês ou dois para gente continuar atendendo os usuários do Plansaúde. Aí diz que ele pegou um papel, escreveu num papel, entregou para ele a porcentagem que tinha que pagar”, contou.

Um dos supostos pagamentos de propina foi registrado em vídeo, dois meses depois dessa reunião. As imagens mostram um carro preto, que segundo a Polícia Federal é dirigido por Rômulo Bueno Marinho Bilac, que seria um dos operadores da organização criminosa.

Ele para em frente à casa do irmão de Luciano Teixeira, que aparece e entra no carro. Em seguida, chega outro carro, branco, do hospital da família. Um funcionário sai e entrega um envelope que teria os cheques da propina.

Segundo o médico, além de Rômulo existia outro operador que buscava pagamentos: Benedito Dílson dos Santos Gomes. Os dois iam com frequência ao hospital da família.

“Em um dia, dois dos intermediários saíram no tapa porque um disse: eu que vim pelo governador para cobrar. O outro dizia: não, quem vem pelo governador sou eu. Eles saíram nos tapas. Brigaram […] Os funcionários tiveram que separar a briga deles de bater mesmo e dar soco na cara um do outro”, disse o médico.

Benedito Gomes foi procurado pela reportagem, mas nem ele ou seu advogado retornaram os contatos.

Rômulo Bilac também foi procurado. Em nota, a defesa dele diz que ainda não tomou conhecimento dos autos do inquérito e que por isso não pode fazer qualquer pronunciamento.

Intervenção na polícia

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal afirmam que para manter os esquemas de propina a suposta organização criminosa, liderada pelo governador Mauro Carlesse dentro do Palácio Araguaia, fez uma intervenção direta na cúpula da Secretaria de Segurança Pública.

Segundo a decisão do Superior Tribunal de Justiça, o governo nomeou aliados para controlar todas as investigações de corrupção que vinham sendo feitas pela Polícia Civil. Em novembro de 2019 foram 126 delegados transferidos, do total de 162 no estado. Entre eles, os quatro delegados da divisão especializada de combate à corrupção.

“A estrutura da segurança pública foi organizada para impedir as investigações. Houve realmente a institucionalização do crime. Utilizaram a estrutura estatal para proteger a organização criminosa”, disse Mozart Manuel Macedo Felix, diretor da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Tocantins na época.

A Polícia Federal descobriu até uma mensagem do governador pedindo ao secretário de Segurança Pública, Cristiano Barbosa Sampaio, para apertar o que pudesse e “não deixar tempo pra eles pensarem”. A resposta do secretário foi: “Agora é atropelar”.

O médico Luciano Teixeira, que também é servidor público, afirma que além de obstruir investigações a suposta organização criminosa passou a persegui-lo.

“Criaram no serviço público, em que eu sou concursado, várias denúncias. Para você ter ideia do que eles foram capazes, o diretor junto com o chefe da enfermagem e um maqueiro deram depoimento à corregedoria do estado de que uma paciente que teve uma parada cardíaca, que eu não atendi a paciente. Se eu não tivesse a filmagem que o acompanhante da paciente tinha filmado eu atendendo a paciente, carregando nos braços a paciente porque não tinha um elevador funcionando no hospital, eu ia ser incriminado.”

Segundo ele, com combate à pandemia foi prejudicado pelo suposto esquema criminoso. “Nós teríamos vinte e quatro leitos de UTI que eram para estar prontos em março de 2019. Nós nunca concluímos esses leitos e ainda tivemos que fechar alguns da internação porque nós demitimos mais de duzentos e setenta funcionários. Eu posso garantir que centenas de pessoas morreram nessa pandemia faltando leito de UTI”, finalizou.

O que dizem os citados

Após o afastamento, o governador Mauro Carlesse divulgou um vídeo na internet dizendo: “Eu tô [sic] tranquilo, quero agradecer à toda a comunidade que tem me ajudado, tem me apoiado, me mandado mensagens de carinho e dizer que brevemente estaremos de volta com fé em Deus”.

Em nota, a defesa de Carlesse e de seu sobrinho Quaresemin esclarece que os dois sempre exerceram suas funções com correção e probidade e que não foram ouvidos pela Justiça nem tiveram pleno acesso às investigações.

A defesa do secretário de segurança afastado, Cristiano Barbosa, disse que utilizaram mensagens fora de contexto para lançar inverdades contra um policial sério e honrado.

Por G1