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“Não queremos garimpo. Esse era o hábito das antigas lideranças. Eu tenho uma visão diferente e uma nova jornada, de não desmatar ou poluir nossos rios”, declara Kôkônhyjtí, primeira cacica da aldeia Kranhkrô, criada em 2010 na Terra Indígena (TI) Kayapó.
A abordagem de Kôkônhyjtí contrasta com a de seu avô, o coronel Tutu Pombo, que na década de 1980 foi o primeiro cacique a permitir a exploração ilegal de terras indígenas para garimpo e madeira. Ele chegou a lucrar R$ 6 milhões por ano com essa atividade, segundo a pesquisa “Narrativas de uma sociedade indígena na fronteira econômica: o caso dos Mebêngôkre Kayapó do Sudeste Paraense”.
Empossada no último sábado (8), a cacica Kôkônhyjtí, de 37 anos e mãe de quatro filhos, planeja fortalecer a economia local por meio do artesanato, das pinturas indígenas e da agricultura, além de defender os direitos das mulheres.
“Hoje, meu objetivo é estimular a geração de renda através do nosso artesanato, pinturas e colheitas. Já temos a plantação de cacau, que além de nos alimentar, sustenta muitas famílias”, explica Kôkônhyjtí. “Meu papel aqui não é apenas ocupar um espaço entre os homens, mas lutar pelo meu povo, especialmente pelos direitos das mulheres, seja na cidade ou dentro da minha comunidade”, acrescenta ela.
A TI Kayapó, com 3,2 milhões de hectares, abriga cerca de 6,3 mil indígenas de dois povos: os Mebêngôkre, do qual a cacica faz parte, e os indígenas isolados na região do Rio Fresco. Homologada em 1991, a área abrange os municípios de Bannach, Cumaru do Norte, Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu.
A aldeia Kranhkrô, uma das 34 da TI, abriga mais de 280 indígenas e está localizada na estrada Águas Claras, a cerca de 30 km do centro de Ourilândia do Norte e a 872 km de Belém.
Segundo o dossiê “Garimpo: um mal que perdura no Xingu”, publicado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Rede Xingu+, os municípios de Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu registraram o maior crescimento de áreas exploradas pelo garimpo entre 2012 e 2022, um aumento de 221% na bacia do Xingu, no Pará.
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Início da Luta contra o Garimpo
Tuto Pombo faleceu em janeiro de 1992, e seu filho, Niti Kayapó, assumiu o cargo de cacique, iniciando medidas para retirar garimpeiros e madeireiros da aldeia com a ajuda da Polícia Federal. Posteriormente, Bebati Kayapó, irmão de Niti e pai de Kôkônhyjtí, continuou essas ações.
Atualmente, segundo a cacica, não há exploração ilegal de garimpos ou madeireiras na aldeia Kranhkrô. Qualquer tentativa de invasão é combatida junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Ações de Combate ao Garimpo
Em abril de 2024, uma operação da Polícia Federal fechou três garimpos ilegais na TI Kayapó, localizada em Bannach, sudeste do Pará. No ano anterior, outras ações da Polícia Federal fecharam garimpos e uma força-tarefa resgatou 49 trabalhadores em situação análoga à escravidão em garimpos ilegais no Pará.
Impactos das Explorações na TI
Kenaka Pompo, também cacique da TI Kayapó e atuante na comunidade Kranhkrô, explicou que uma fazenda próxima abriga a nascente do Rio Branco, cujas águas são frequentemente poluídas pelo garimpo, afetando a saúde dos indígenas. Durante o inverno amazônico, é impossível consumir a água do rio.
“Algumas pessoas já apresentaram diarreia e coceira na pele durante o inverno amazônico. Por isso, não bebemos ou cozinhamos com a água do rio. Estamos lutando para conseguir um abastecimento de água tratada da cidade até a nossa comunidade”, informou Kenaka.
A comunidade implantou poços artesianos para consumo, mas o rio ainda é usado para pesca e banho.
Conheça a Aldeia
Os moradores da aldeia Kranhkrô têm acesso a uma escola que atende crianças e adolescentes até o ensino médio, com aulas de língua nativa Kayapó toda sexta-feira, além dos conteúdos da Base Nacional Comum Curricular. A comunidade possui um posto de saúde, uma farmácia e uma associação indígena localizada no centro de Ourilândia do Norte, que dá suporte à comunidade.
Os indígenas mantêm tradições antigas: os homens caçam e pescam, enquanto as mulheres colhem alimentos na roça. A vacinação é prioritária, com imunizantes oferecidos conforme campanhas nacionais. A segurança é feita pelos próprios indígenas, que atuam como fiscalizadores para evitar roubos ou furtos.
Outro ponto em desenvolvimento é o incentivo à capacitação dos jovens, para que se formem e retornem à comunidade para ajudar outros membros. Uma das metas da gestão é garantir parcerias para que jovens ingressem em universidades e tenham renda.
Posse
A cerimônia de posse da cacica, realizada no sábado (8), reuniu diversas lideranças indígenas do Pará e Mato Grosso. O evento contou com a participação de mulheres da comunidade em um ritual com entrega de faixa e danças tradicionais do povo Kayapó.
“Hoje estou ocupando um espaço como cacica dentro da aldeia para poder atender e resolver nossas demandas. Estou pronta para argumentar, defender e estar lado a lado do meu povo. Vamos juntos lutar e buscar a melhoria da qualidade de vida para nosso povo”, declarou Kôkônhyjtí.
Ô-é Paiakan Kaiapó, coordenadora regional Kayapó Sul do Pará da Funai, participou da cerimônia e destacou que a posse de uma mulher é um ato revolucionário e significativo na luta pela igualdade de gênero. “É de suma importância as mulheres ocuparem espaços de poder dentro e fora do território”, afirmou.
Segundo a cacica, em parceria com a Associação Indígena Pore Kayapó, a nova gestão pretende dialogar para que novas parcerias tragam resultados positivos no atendimento às demandas coletivas da comunidade.