Lobos-guará ‘roubam’ comida, mochila e até drone em parque de Minas Gerais

Espécie nativa se habituou à presença dos turistas que acampam na parte alta da unidade de conservação ambiental.

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Logo na entrada do Parque Nacional do Itatiaia, localizada em Itamonte, em Minas Gerais, um papel fixado no mural de cortiça lista o nome e o telefone das “vítimas” dos lobos-guará que habitam o local. No entanto, os animais adquiriram o hábito de abocanhar e carregar para a mata qualquer pertence de visitantes que veem pela frente: uma mochila de ataque, a chave de um carro Mitsubishi e uma carteira com documentos e cartões, por exemplo.

Um círculo em caneta azul em volta da lista e a palavra “ok” é o sinal de que aqueles objetos já foram recuperados pelos guias do parque, que dão um jeito de mandá-los de volta aos donos.

Os lobos-guará circulam na parte alta, onde é possível visitar principal atração do local, o pico das Agulhas Negras. Essa região do parque é acessada por uma estrada de terra de 20 quilômetros em mau estado de conservação. Pelas condições ruins, ela leva quase uma hora para ser percorrida de carro.

Os frequentadores contam que os ataques costumam ocorrer à noite —a espécie é conhecida pelos hábitos noturnos—, quando os turistas retornam para suas barracas no camping e começam a preparar o jantar.

As vítimas são unânimes em afirmar que o lobo-guará é dócil e sai correndo diante de movimentos mais bruscos, muitas vezes uma reação ao susto de se deparar no escuro com o animal de quase um metro de altura e com cerca de 30 quilos.

O guia Jonatas Rocha, de 34 anos, estima haver de seis a sete animais que frequentam a área de camping. “Não tem uma semana que eles não aprontam”, diz.

Ele conta que presenciou a busca desesperada de um turista que deixou sua mochila na entrada do banheiro e, quando voltou, o pertence tinha sumido. “Eu falei que o lobo pegou, mas ele ficou ainda mais nervoso e não acreditou, achou que eu estava brincando”, lembra. Além dos pertences, a mochila tinha a comida para o visitante passar a noite.

A busca pela mochila roubada mobilizou os campistas até que um deles mirou a lanterna no meio do descampado e flagrou dois olhos no meio da escuridão. “Pegamos ele no flagra, com a cabeça enfiada dentro da mochila”, conta o guia.

A atendente Carol Campos, de 22 anos, recorda que teve que contar com a solidariedade de outros frequentadores após um lobo-guará roubar a sacola onde estava toda a comida que ela e os amigos tinham levado para passar alguns dias acampados no parque. “Amarramos a sacola em cima da área de convivência, mas ele pegou mesmo assim.”

Para evitar transtornos, os funcionários do parque pedem aos visitantes que não deixem comidas e outros pertences dentro de barracas porque não são raras as vezes em que o animal rasga a lona para saciar a curiosidade, ou a fome mesmo.

Há relatos ainda de um turista que teve o drone arrastado para dentro da mata pelo lobo-guará, e outro que perdeu uma garrafa de uísque, apesar de bebidas alcoólicas serem proibidas na área de preservação. Por isso, os frequentadores mais assíduos se habituaram a deixar mochilas e mantimentos dentro dos carros.

Nativo do cerrado, o lobo-guará é uma das espécies que teve o crescimento da população afetado pelo avanço das áreas urbanas em regiões preservadas. Outro fator de risco é a dispersão dos animais por estradas e rodovias que cortam seu habitat.

De acordo com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), os atropelamentos são responsáveis pela morte de um terço dos filhotes por ano.

A maioria dos objetos levados pelos lobos é deixada na mata e acaba sendo encontrada por guias ou grupos que caminham pelas trilhas, mas nem sempre em boas condições. O drone roubado, por exemplo, foi recuperado em pedaços, assim como são encontradas as embalagens do que seria o jantar de algum campista.

Para evitar os ataques noturnos, o projeto de concessão do parque incluiu a instalação de caixas de ferro na área do camping para os visitantes poderem deixar seus pertences de forma segura. A melhoria, no entanto, ainda não está disponível, assim como grande parte das ações previstas.

O gestor do Parque Nacional do Itatiaia, Luiz Gonzaga Barbosa Aragão, demonstra preocupação com a proximidade do animal silvestre do convívio humano, o que pode trazer doenças às espécies.

Por isso, o recomendado é não interagir caso se depare com o lobo. “Nós que estamos na casa deles, é preciso respeitar”, conclui Aragão.

*Folha Express