Juíza manda retirar site DCM do ar a pedido de deputada do Tocantins e depois revoga decisão

Janad Valcari (PL), que é candidata a prefeita de Palmas, entrou com ação para retirar reportagem do portal que cita investigações contra ela em cinco estados.

Compartilhe:

Após ordenar a retirada do portal de notícias Diário do Centro do Mundo (DCM) do ar em resposta a uma ação movida pela deputada estadual Janad Valcari (PL), a Justiça do Tocantins revogou a decisão contra o site. A ação foi motivada por uma reportagem que apontava investigações contra a parlamentar em cinco estados. Janad é candidata a prefeita de Palmas.

>> Siga o canal do "Sou Mais Notícias" no WhatsApp e receba as notícias no celular.

A juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, da 4ª Vara Cível de Palmas, havia determinado a suspensão do portal no dia 2 de agosto, após a defesa de Janad solicitar a remoção da matéria. Como não houve resposta dos responsáveis pelo site, a parte autora pediu ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.BR), órgão que gerencia os serviços de internet no Brasil, o congelamento do domínio até que a reportagem fosse retirada.

Kiko Nogueira, diretor do DCM, afirmou que o site nunca foi formalmente notificado. Embora a decisão de bloqueio tenha sido revogada, a matéria ainda está sob censura. “O prejuízo é incalculável. É um grave atentado à liberdade de expressão”, disse ele.

A revogação da decisão ocorreu na noite de quarta-feira (7), às 19h37, após a magistrada ser informada de que a reportagem mencionada havia sido removida. Inicialmente, o congelamento do domínio foi autorizado devido à falta de resposta do site para retirar a matéria. Como o site não conseguiu remover o conteúdo, o NIC.BR ofereceu opções para bloquear a publicação, mas a defesa de Janad insistiu no congelamento do domínio, o que foi autorizado pela Justiça em 2 de agosto.

Na quarta-feira, a juíza revogou a medida, afirmando que, com a remoção da reportagem, não havia mais razão para manter o bloqueio do domínio.

“Assim, diante do cumprimento da tutela provisória de urgência, a medida de congelamento do domínio da parte requerida deve ser revogada, cessando a restrição sobre as demais publicações e atividades legítimas no referido domínio”, declarou a juíza na nova decisão.

Durante uma live no canal do YouTube do DCM, o editor Fernando Miller classificou a decisão como uma tentativa de censura. “É um dia que deve entrar para a história negativamente da imprensa nacional”, disse ele.

Nota de Repúdio

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiu uma nota de repúdio contra a decisão da Justiça do Tocantins, destacando que o DCM existe há mais de 13 anos.

“É inconcebível que a reclamação da deputada estadual Janad Valcari (PL), insatisfeita com a reportagem publicada pelo DCM em novembro de 2023, tenha resultado nesta violenta censura contra a publicação. Na ocasião, o DCM revelou que a deputada faturou R$ 23 milhões em um esquema envolvendo prefeituras locais e a banda Barões da Pisadinha, que é empresariada por ela”, diz um trecho da nota.

Reportagem censurada

A reportagem do Diário do Centro do Mundo (DCM) informou que Janad Valcari, deputada estadual e candidata à prefeitura de Palmas, teria utilizado a banda Barões da Pisadinha, da qual é ex-empresária, para lucrar cerca de R$ 23 milhões por meio de um esquema de enriquecimento ilícito com dinheiro público.

Janad foi sócia e administradora da empresa “Os Barões da Pisadinha Produção Musical Ltda” entre agosto de 2020 e dezembro de 2023, quando transferiu sua participação para seu filho, Lucas Valcari. De acordo com a reportagem, que permanece censurada, a empresa teria fechado contratos para shows da banda com mais de 50 prefeituras no Brasil, utilizando dispensas de licitação.

A matéria se baseia em documentos públicos de várias prefeituras, incluindo a de Ipiranga de Goiás, que desembolsou R$ 385 mil por um show de uma hora e meia da banda. Outros exemplos citados são a Prefeitura de Gurupi, que contratou a dupla por R$ 400.000 em fevereiro deste ano, e a Prefeitura de Santa Rosa do Tocantins, um município com pouco mais de 4 mil habitantes, que pagou R$ 350.000 em maio. Em 2023, cinco municípios do Tocantins contrataram a banda.

Resposta de Janad Valcari

Em resposta, Janad Valcari afirmou que “a banda é um empreendimento familiar” e destacou que foi uma aposta bem-sucedida, levando o grupo ao sucesso em níveis regional, nacional e internacional, com suas músicas entre as mais tocadas do mundo.

“Esse sucesso resulta em contratos tanto privados quanto públicos por todo o Brasil, devido à alta demanda pelo ritmo, que ganhou muitos seguidores. A banda não apenas lançou músicas de sucesso, mas também criou um ritmo genuinamente brasileiro, o piseiro, sendo o grupo mais ouvido no Brasil em 2021, segundo o Spotify. Em 2023, a banda realizou mais de 600 shows no Brasil, sendo menos de 5% no Tocantins,” afirmou a deputada.

Ela ainda declarou que as acusações feitas à imprensa e à justiça têm motivações eleitorais e não devem se transformar em processo. “O sucesso da banda, aliado à nossa liderança nas pesquisas, tem despertado a inveja e a ira dos adversários, que plantam informações falsas na imprensa com o objetivo de tentar comprometer o faturamento da banda e desacreditar-nos perante a opinião pública,” concluiu Janad Valcari.

Veja a nota de repúdio da ABI na íntegra:

A ABI – Associação Brasileira de Imprensa, por meio da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos, repudia com veemência a decisão inconstitucional do Tribunal de Justiça do Tocantins que, de forma arbitrária, retirou do ar o site do DCM – Diário do Centro do Mundo, que existe há mais de 13 anos.

A decisão torna-se ainda mais absurda quando se constata que o proprietário do DCM foi pego de surpresa, ao ver o site excluído da internet. Embora o Judiciário de Tocantins tenha afirmado que tentou contato com ele, no mínimo, não o fez com o devido cuidado e imparcialidade.

É inconcebível que a reclamação da deputada estadual Janad Valcari (PL), insatisfeita com a reportagem publicada pelo DCM em novembro de 2023, tenha resultado nessa violenta censura contra a publicação. Na ocasião, o DCM divulgou que a deputada faturou R$ 23 milhões em um esquema envolvendo prefeituras locais e a banda Barões da Pisadinha, empresariada por ela.

O Tribunal de Justiça de Tocantins, seus juízes e desembargadores, ignoraram a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde o famoso julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 130), em novembro de 2009, de que a Constituição de 1988 não admite, em qualquer hipótese, qualquer tipo de censura.

A decisão tomada contra o site DCM, bem como o assédio judicial e a perseguição a jornalistas, é inconstitucional, fere a jurisprudência do STF e, por isso, deve ser repudiada e imediatamente revogada.

Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2024

COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA