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Uma compra de equipamentos de pesca esportiva faturada na conta de um hospital se tornou um dos principais indícios nas suspeitas de irregularidades cometidas por Mauro Carlesse (PSL). Ele foi afastado do governo do Tocantins após operações da Polícia Federal.
Mauro Carlesse foi afastado do governo por 180 dias em outubro, por decisão do ministro Mauro Campbell, do STJ (Superior Tribunal de Justiça). No último dia 7, a Assembleia Legislativa abriu um processo de impeachment por crime de responsabilidade contra ele.
Uma das suspeitas contra o governador afastado é de que havia desvios de parte do que o estado repassava a hospitais referente ao Plansaúde (plano de saúde dos servidores estaduais). Segundo as investigações, uma porcentagem do dinheiro era devolvido ao governador e aliados, como propina.
Para o Ministério Público Federal, um dos elementos que provam a relação direta do governador com supostos crimes são fotografias de Carlesse pescando. Nas fotos, ao lado dele, está o auxiliar que comprou, em nome do governador, equipamento de pesca com dinheiro do Hospital de Urgência de Palmas.
Segundo a investigação, os valores dessa aquisição foram descontados da propina supostamente repassada a Carlesse e a seus auxiliares.
Os itens foram comprados em agosto de 2019 na loja Jauzão Caça e Pesca, que tem como sócio Marcos Antônio Teixeira, um dos administradores do hospital. Marcos Antônio firmou um acordo de delação premiada que subsidiou as investigações contra o governador.
Estiveram na loja Rômulo Bilac, apontado como operador financeiro do grupo, e Rodrigo Assumpção Vargas, conhecido como Bola, que se tornou assessor especial no gabinete do governador. A presença dos dois foi registrada nas câmeras do circuito interno e três funcionários da loja testemunharam à Polícia Federal a respeito da aquisição.
Apesar de o valor da aquisição ser apenas uma fração mínima (R$ 8,1 mil) do total suspeito de ter sido pago como propina (um valor que a PF desconfia que possa alcançar R$ 45 milhões), as evidências, para os investigadores, comprovam, “de forma direta, que o governador foi o beneficiário final das propinas”.
Em depoimento, um vendedor da Jauzão Caça e Pesca afirmou que aquela foi a única venda acima de R$ 5.000 naquele ano. Ele afirma que os dois auxiliares de Carlesse chegaram ao local e exigiram as melhores varas de pescar e as carretilhas que eram do topo de linha.
Segundo o relato do vendedor, eles extremamente arrogantes e disseram que não queriam saber o preço, queriam o melhor produto. Compraram três kits de pesca.
Bola, então, informou que os materiais seriam faturados em nome do Hospital de Urgência de Palmas. Surpreso, o vendedor foi procurar o gerente para saber como proceder nessa situação.
De acordo com o relato, Bola perguntou se o vendedor não confiava na palavra dele, já que tinha que confirmar com terceiros a questão do faturamento.
O gerente, também ouvido pela PF, disse que os compradores afirmaram que estava adquirindo os materiais para o governador do Tocantins. Ligou para o hospital e pediu autorização do proprietário da loja para que a compra fosse faturada em nome do hospital.
Ao obter o aval, registrou a venda e liberou os produtos. Um terceiro vendedor confirmou as afirmações dos outros dois.
Carlesse aparece em fotos tiradas por celulares apreendidos na Operação Assombro, que investigava suspeitas de funcionários fantasmas ligados ao governador, pescando com Bola. Nesse inquérito, o governador afastado do Tocantins é investigado sob suspeita de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro, participação em organização criminosa e obstrução de Justiça.
Relatório da Polícia Federal aponta que só no Hospital de Urgência de Palmas o prejuízo aos cofres públicos, em pagamentos de propina, foi de R$ 2,6 milhões entre 2018 e 2020, período investigado. No entanto, o Plansaúde fez pagamentos de aproximadamente R$ 561 milhões nessa mesma época.
Isso fez os investigadores calcularem que, com base em estimativa nos percentuais de propina suspeitos de terem sido pagas, o desvio aos cofres públicos seja de R$ 44,8 milhões.
Além das suspeitas de desvios na saúde, o Ministério Público Federal também afirma que o governador afastado aparelhou todo o sistema de segurança pública do Tocantins.
A suposta organização criminosa liderada por Carlesse, segundo a investigação, interferiu politicamente na polícia estadual e direcionou apurações contra adversários do governador.
O que diz defesa
Em petição de defesa, os advogados afirmam que “é falaciosa a alegação de que o governador Mauro Carlesse teria adquirido materiais de pesca por intermédio de Rodrigo Vargas e Rômulo Bilac, mediante suposta utilização de valores provenientes do Hospital de Urgência de Palmas”.
“Registre-se que o governador Mauro Carlesse não solicitou nem autorizou o uso de seu nome para compra de tais materiais”, diz a defesa, acrescentando que o equipamento não pertence a Carlesse e que houve “especulação investigativa” do Ministério Público e “abusiva utilização descontextualizada de fotografias de eventos da vida privada do ora peticionário”.
Os advogados sustentam que não há elementos de corroboração nas delações que subsidiaram as operações contra Carlesse —e que não há registro de que o governador tenha tratado diretamente sobre pagamentos ao Hospital de Urgência de Palmas.
Afirmam que os pagamentos feitos pelo estado são assuntos de competência dos secretários estaduais, sem interferência do governador.
A defesa diz que após a posse de Carlesse não houve paralisação de investigações sobre supostos esquemas de corrupção e que a produtividade da Polícia Civil até aumentou após a troca de delegados.
Procurado, Nabor Bulhões, advogado de Carlesse, afirma que as suspeitas são uma “especulação desvairada dos investigadores”. “A investigação é unilateral, inteiramente especulativa e desenvolvida de forma irreverente aos direitos e garantias constitucionais”, diz.
Ministro do STJ nega pedido e mantém Carlesse afastado do cargo
O ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, negou nesta sexta-feira (17) todos os pedidos apresentados pela defesa do governador afastado do Tocantins, Mauro Carlesse (PSL). Os advogados do político queriam que Campbell reconsiderasse a decisão que mantém Carlesse fora do cargo de governador até abril de 2022.
A defesa de Carlesse disse que irá recorrer da decisão. Afirmou ainda que os advogados apresentarão recurso para a Corte Especial do Tribunal onde “demonstrarão mais uma vez, com base em documentação contundente, que o governador Mauro Carlesse possui direito líquido e certo de reingresso no cargo para o qual foi eleito”.
A defesa argumentava que todo o inquérito tinha se baseado apenas na palavra de delatores e que trazia ‘conjecturas e presunções’. Os advogados disseram que as medidas impostas não se justificavam. O argumento não convenceu o ministro.
Na decisão, Mauro Campbell escreveu: “Ao contrário do afirmado pela defesa, as colaborações premiadas homologadas por este Juízo encontram lastro de confirmação em diversos outros elementos probatórios e indiciários, demonstrando o suposto envolvimento do senhor MAURO CARLESSE nos crimes investigados”.
Campbell negou ainda os pedidos de duas marcas de luxo para terem acesso aos autos. A Louis Vuitton e a Chanel fizeram a solicitação porque bolsas supostamente falsas com as marcas das empresas foram apreendidas com alguns dos alvos no dia 20 de outubro, quando a operação foi deflagrada. O ministro entendeu que elas não são parte do processo e por isso eventuais compensações devem ser pedidas em processos separados.
Processo de impeachment
Enquanto Carlesse enfrenta o processo judicial relacionado às investigações, na Assembleia Legislativa do Tocantins surgiu outro problema para o governador, de natureza política. O presidente da AL, deputado Antônio Andrade (PSL), aceitou um pedido de abertura de processo de impeachment no último dia 7 de dezembro. Desde então, a comissão especial para analisar o tema tenta notificar Carlesse, ainda sem sucesso.
A informação mais recente divulgada pelos advogados é de que o governador esteve no Hospital Sírio Libanês em São Paulo no dia 11 de dezembro. Ele foi fazer exames após um mal-estar e não está internado. Carlesse afirma que voltará ao Tocantins quando for liberado pelos médicos.
O pedido de impeachment se baseia nas mesmas acusações que levaram ao afastamento. O processo só deve avançar na AL após a notificação.
O outro lado
A defesa do governador do Estado do Tocantins, Mauro Carlesse, informa que irá recorrer da decisão do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve o afastamento do governador eleito democraticamente.
A defesa reitera que na decisão desta sexta-feira, 17, o Ministro relator não apreciou os elementos centrais contidos na peça, que levaria a resultado oposto ao que foi de fato decidido. Ou seja, deveria suspender o afastamento e promover o retorno de Mauro Carlesse ao exercício do cargo de Governador do Tocantins.
A defesa de Mauro Carlesse informa que o processo ainda se encontra na fase de inquérito e por isso não pôde exercer a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório. Os advogados do governador Mauro Carlesse apresentarão recurso próprio para a Corte Especial do Tribunal, onde demonstrarão mais uma vez, com base em documentação contundente, que o governador Mauro Carlesse possui direito líquido e certo de reingresso no cargo para o qual foi eleito.
*Com informações da Folha de São Paulo e G1